O cachorro do vizinho está tirando meu sossego, e agora?

Em um dia desses visitei alguns amigos, e depois de boas risadas, drinks e comidinhas deliciosas, já em altas horas, por uma questão de segurança e conforto, fui convidada a pernoitar no apartamento deles. O convite foi aceito, porém não consegui dormir, passei a noite inteira acordada revirando e revirando na cama.

O vizinho tinha um cachorro que ficava contido na sacada, que era muito próxima do apartamento em que eu estava, e cada movimento externo, vento, barulho, iluminação, mosquito voando, enfim, qualquer coisa causava grande estresse e euforia no animal. Enquanto não clareou o dia ele se manteve latindo sem parar. Foi horrível, amanheci como se um trator tivesse passado por cima de mim.

Quando meus amigos acordaram, me perguntaram se eu tinha conseguido dormir, vez que o barulho tinha sido praticamente ininterrupto. Com um sorriso sem graça, respondi que não tinha sido a melhor noite de sono da minha vida, mas que tudo bem. E eles desabafaram que aquela rotina do cachorro latindo era corriqueira, que já tinham feito diversas reclamações com o síndico e com o vizinho, porém nada mudava.

Conflitos que envolvem animais de estimação não é uma situação que acomete apenas meus amigos, cuida-se de uma situação corrente em muitos condomínios, cujas discussões estão indo parar nos tribunais. No judiciário tem sido muito comum decisões pela manutenção dos pets com seus tutores, mesmo quando o regulamento do condomínio proíba, sob a égide do direito constitucional à propriedade (art. 5º, XXII, CF), bem como, sob o fundamento de que cada condômino tem o direito de usar e fruir, com exclusividade, de sua unidade autônoma, segundo suas conveniências e interesses (art. 19, Lei nº 4.591/64, 1ª parte).

É indubitável a prevalência desses direitos, contudo, eles não são absolutos. Não obstante os magistrados tenham decidido pela manutenção dos animais de estimação com seus tutores nos respetivos lares, tais decisões são proferidas calcadas em condições que devem impreterivelmente ser observadas pelos donos dos pets e reflexivamente pelos síndicos, que são higiene, segurança e sossego.

Nesse sentido é a parte final do art. 19, da Lei nº 4.591/64, que dispõe que o condômino tem o direito de usar e fruir, com exclusividade, de sua unidade autônoma, segundo suas conveniências e interesses, bem como, usar as partes e coisas comuns do condomínio, desde que observadas as normas de boa vizinhança, e não cause danos ou incômodo aos demais condôminos ou moradores, nem obstáculos ou embaraço ao bom uso das mesmas partes por todos.

Do mesmo modo é o art. 10, inciso III, da referida lei, o qual enuncia que é proibido a qualquer condômino destinar a unidade à utilização diversa da finalidade do prédio, ou usá-la de forma nociva ou perigosa ao sossego, à salubridade e à segurança dos demais condôminos. E ainda,  com a finalidade de preservar o condômino prejudicado, é o art. 1.277 do Código Civil: “O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha”.

Inquestionável que os barulhos constantes, agressividade e sujeira etc. são elementos que podem comprometer consideravelmente o sossego, segurança e saúde das pessoas à volta, por isso, os tutores precisam se pautar no bom senso, a fim de não se verem privados de seus animais. O segredo é sempre se portar de modo respeitoso com os demais condôminos da mesma maneira que gostariam de ser tratados, caso contrário pode ser configurado abuso de direito, passível de responsabilização civil com o pagamento de indenização por perdas e danos, conforme arts. 187 e 927 do Código Civil.

Conclui-se que, embora seja direito dos tutores se manterem com seus animais de estimação, se porventura incorrem em abuso, não observarem o dever de cuidado e de boa vizinhança, os donos podem sofrer vedações da permanência dos pets, independente se se tratar de área exclusiva ou comum. O indicado é que havendo conflitos os condôminos busquem resolver a questão por meio do diálogo, do bom senso e do equilíbrio, todavia, se ocorreram tentativas inexitosas recomenda-se buscar a solução no judiciário.


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Autor

  • Priscila Pinheiro de Oliveira

    OAB/SP 422.619 - Graduada em Direito pela Universidade Nove de Julho. Pós-graduanda em Compliance Contratual pela Anhanguera Educacional. Especialista em contratos e dívidas bancárias. Advogada Dativa conveniada com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

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