As assembleias condominiais presenciais e virtuais no período da quarentena

Com o crescente avanço da epidemia de Covid-19, que vem impondo não só aos condomínios, mas à toda a sociedade, mudanças de comportamento, se faz necessária a adoção de medidas mais recomendadas tendentes a prevenir a contaminação de um número massivo de pessoas.

No âmbito da maior parte dos condomínios, foram implementadas medidas através da higienização mais frequente das áreas coletivas, conscientização dos moradores quanto ao isolamento social, bem como outras condutas profiláticas, com a limitação de acesso às áreas comuns e afastamento ao máximo de qualquer aglomeração de pessoas, evitando a rápida proliferação do vírus.
Entretanto, uma questão causa especial preocupação em tempos como os atuais na esfera dos condomínios, que é a realização necessária de assembleias, em especial nos casos em que já tenha escoado o período de mandato do síndico de modo a impor a necessidade de eleição de novo representante.

Vale destacar que, muito mais que um direito dos condôminos, a participação em assembleia é uma necessidade, na medida em que ali são deliberadas questões essenciais à administração dos interesses de todos os moradores.

Com vistas a conciliar o cenário de isolamento social imposto pela recente pandemia e a necessária deliberação de questões inadiáveis de interesse do condomínio, é possível a utilização da chamada assembleia virtual, ferramenta que vem sendo frequentemente utilizada pelas administradoras para garantir a segurança dos condôminos e a maior participação possível destes nas decisões de interesse comum.

Na assembleia virtual, cada condômino pode participar de onde quer que esteja – conquanto tenha seu acesso devidamente verificado – das discussões suscitadas pelo corpo diretivo, realizando ao fim votação também de maneira remota, que possui força e validade igual, ainda que tomada de maneira não presencial.   

São ofertadas no mercado diversas plataformas que viabilizam a realização de deliberações entre condôminos de forma remota e virtual. Importante frisar que, seja qual for a ferramenta aplicada na realização de tais convocações e discussões, o importante é que haja obediência às regras estabelecidas pelo Código Civil e pela Convenção do condomínio.

Logo de início, é necessário verificar diretamente na Convenção se ali não há expressa previsão no sentido de que as reuniões de assembleia somente poderão ser realizadas de maneira presencial. Nesses casos, far-se-á necessária a alteração no texto da Convenção para viabilizar a realização da assembleia virtual.

Nos demais casos, onde a maioria dos condomínios está inserido, é possível a aplicação da modalidade não presencial, devendo ser eleitas as ferramentas e procedimentos a serem adotados para que as questões mais urgentes do condomínio possam ser levadas à discussão e alcancem uma decisão que atenda aos anseios de todos, ou, como se almeja, da maioria.

Assembleias virtuais: Etapas

As assembleias virtuais realizadas, necessariamente, passam pelas seguintes etapas, que visam a assegurar a maior participação e lisura possível do processo decisório:

1. Realização de coleta, pelo síndico, dos endereços de e-mail válidos de cada um dos condôminos/proprietários ou de seus representantes;

2. Ato contínuo, é encaminhado a cada e-mail indicado o endereço eletrônico de plataforma virtual de contato – à escolha da gestão – cabendo obter a confirmação de recebimento por parte de todos os condôminos, a fim de evitar futuras arguições de nulidade da assembleia;

3. Devem ser realizados testes de funcionamento e fornecidos treinamentos ou apostilas para os condôminos, em especial àqueles que não tenham familiaridade com meios digitais, para que seja permitido amplo acesso aos ambientes de votação;

4. No âmbito da plataforma eleita, cada condômino que tiver decidido participar das discussões poderá debater os assuntos propostos, ressalvada a verificação dos condôminos inadimplentes que não tenham direito de voto nos termos do Art. 1.335, Inciso III, do Código Civil;

5. Deverão ser adotados mecanismos para permitir a apresentação de procurações, viabilizando assim a escorreita participação no processo decisório de todos os legitimados;

6. Caberá ao síndico ou administrador nomeado o acompanhamento integral de todas os debates, bem como a análise conjunta de todas as repercussões das decisões ali tomadas e, sobretudo, a mediação do diálogo, a fim de permitir não apenas a mantença da civilidade nas tratativas entre os condôminos, mas também o enfoque das deliberações estritamente nos termos do convite enviado para a assembleia, dando maior efetividade a esta;

7. Após as necessárias deliberações – que deverão ser integralmente gravadas para posterior registro – cada condômino registrará seu voto, de maneira inequívoca e com o uso das ferramentas de validação e autenticação eleitas pela administração;

8. Será gerada ao final uma Ata de Assembleia Virtual, que será assinada e deverá, se o caso, ser registrada em Cartório, caso trate de questões oponíveis contra terceiros alheios ao condomínio, como é o caso de eleição de síndicos.

Ata de Assembleia Virtual

Além desses procedimentos, é importante destacar que a Ata de Assembleia Virtual deverá atender todos os requisitos de uma Ata de Assembleia presencial, tais como:

I. forma de convocação dos condôminos;

II. definição precisa e específica do objeto da pauta;

III. informações acerca do ambiente virtual utilizado para realização da assembleia, bem como forma de deliberação adotada;

IV. listagem completa dos participantes da assembleia, acompanhada da referida autenticação de acesso;

V. local e período de duração da assembleia virtual; e,

VI. resultado de cada deliberação suscitada na assembleia.

Mecanismos de segurança

Existem ferramentas que garantem ainda maior idoneidade e segurança das deliberações condominiais, tais como a utilização de Certificados Digitais, instrumento que funciona como uma identidade virtual, por meio do qual é possível que o condômino insira sua assinatura eletrônica no documento decisório resultante da assembleia, havendo presunção de que foi o próprio condômino quem participou da reunião e não outra pessoa em seu lugar.

Imprescindível destacar que, seja qual for o meio escolhido para deliberação, todas as discussões deverão ser integralmente gravadas e mantidas em registro, o qual será levado a cartório para lavratura de Ata Notarial, meio pelo qual é mantido em registro o ato, além de conferir-lhe fé pública e oponibilidade perante terceiros.

Há cartórios inclusive que já adotam plataformas virtuais específicas para remessa de assinaturas digitais e posterior autenticação das Atas de Assembleias realizadas não presencialmente.

Tramita atualmente, inclusive, o Projeto de Lei nº 548, de 2019, da Senadora Soraya Thronicke, que visa acrescentar ao Código Civil (Lei nº 10.406/2002) o Art. 1.353-A, para permitir à assembleia de condomínios edilícios votação por meio eletrônico ou por outra forma de coleta individualizada do voto dos condôminos ausentes à reunião presencial, quando a lei exigir quórum especial para a deliberação da matéria.

Ou seja, tem-se que a modalidade virtual de deliberação assemblear não só é frequentemente utilizada e vem angariando mais adeptos, como também se mostra uma providência essencial diante do cenário em que o País se encontra atualmente, com a imposição de isolamento social e afastamento de quaisquer aglomerações físicas, ao passo em que as questões urgentes do condomínio continuam a existir, até com maior frequência que o habitual, em vista da situação excepcionalmente enfrentada.

Eleição do síndico

Ainda neste contexto, outro problema ganha destaque de urgência, que é a necessária eleição de síndico, nos casos em que o mandato do anterior venha a se vencer no período da pandemia.
Sabe-se que por regra as Convenções preveem a realização de assembleias ordinárias para aprovação de contas do síndico e eleição de corpo diretivo, realizadas periódica e presencialmente.

Ocorre que, sem a possibilidade de expor os condôminos ao risco gravíssimo de aglomeração em Assembleia Ordinária de aprovação de contas e eleição de síndico, igualmente não pode, sob pena de invalidade dos atos, o condomínio permanecer sem representante legal regularmente constituído, o que inviabiliza até mesmo o pagamento de contas, negociação e fechamento de contratos com fornecedores, outorga de poderes em ações judiciais e diversas outras situações que demandam representação.

Nestes casos, é necessário que, diante das previsões legais contidas no Código Civil para as hipóteses de “força maior”, sejam flexibilizadas as regras para recondução ou mesmo eleição de novo síndico em caráter eminentemente provisório e excepcionalíssimo, para que o condomínio não permaneça sem representante e, portanto, seja prejudicado perante terceiros.

Não apenas as instituições financeiras e órgãos públicos deverão adiar suas exigências de representação perante os condomínios durante o período de isolamento, como também os próprios condomínios poderão promover deliberações, em caráter extraordinário, para definir a recondução temporária de síndico por um período complementar.

Nestes casos, considerando a importância e cautela a serem tomadas na aprovação de contas do condomínio, esta deve ser postergada para apuração futura, após encerrado o período de isolamento social imposto, sem prejuízo das responsabilizações potenciais resultantes da aprovação ou não das referidas contas.

Em tempos como os atuais, todas as medidas possíveis de segurança devem ser adotadas, a fim de assegurar a menor exposição possível dos condôminos a riscos de contaminação, cuidando ainda assim para que o condomínio não sofra prejuízos diante do sobrestamento generalizado imposto pela epidemia, razão pela qual não apenas a assembleia virtual, já adotada em diversos condomínios pelo País, se mostra a mais salutar alternativa de deliberação condominial, como também a recondução temporária de síndico afigura-se imprescindível à mantença das atividades habituais do condomínio.


Não reproduza o conteúdo sem autorização do Grupo Direcional. Este site está protegido pela Lei de Direitos Autorais. (Lei 9610 de 19/02/1998), sua reprodução total ou parcial é proibida nos termos da Lei.


Autor

  • Márcio Gustavo Pereira Lima

    Titular do escritório de advocacia fundado pelo pai há 35 anos. Graduado em Direito em 2002 e especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. É consultor jurídico de condomínios residenciais e comerciais no ABC e Grande SP.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

14 + 14 =